MARCOS ROBERTO BUENO MARTINEZ
Sumário
Apresentação [Ecléa Bosi].............................
Prefácio à 1ª Edição [Paulo Bafile].................
Prefácio à 2ª Edição [João Barcellos].............
Introdução [do Autor]....................................
Memória & Imagem
Marcos Roberto Bueno Martinez
Bar e Restaurante São Luiz..................................................
Praça da Matriz...................................................................
Esporte Clube Cotiano..........................................................
Capela Nossa Senhora da Penha...........................................
Personagens da terra...........................................................
Procissões..........................................................................
Casarões coloniais..............................................................
Histórias de Roque Giannetti...............................................
Bandas ´Jazz XV de Agosto´ e ´Ritmo Continental´.........
Os cavaleiros da esperança.................................................
A história da lâmpada queimada e outras..........................
Sputinik.............................................................................
Cotonifício Demétrio Calfat SA..........................................
Cinema do Jubran...............................................................
O cruzeiro do Carmelo........................................................
O lendário Nhô Nhô..........................................................
Bibliografia.......................................................................
Biografia................................................................................
Agradecimentos
“Contribuição fundamental para a existência deste livro são os depoimentos de vários moradores da cidade, que viveram o período pesquisado. São fontes vivas deste simples trabalho. Oscarlina Pedroso Victor, Linda Riscale Name, Maria Aparecida do Rosário Magalhães, Pedro Victor Moraes Sobrinho, Joel Francisco, Antônio Benedito Rodrigues de Oliveira, Antônio Lopes Navarro, Reinaldo Yano, Benedito Viviani, Benedita Amélia Barreto Alves, Antonia Luiza Moraes Barreto, Roque Giannetti, Nice Savioli, Rose Savioli e Laerte fotógrafo, além da indicação solidária de cidadãos que gostam da cidade. A todos, o meu sincero agradecimento.”
Prof. Marcos
Apresentação
Carta de Ecléa Bosi
Cotia, 16 de Março de 1999
Meu caro Marcos,
li, com muito prazer, as memórias dos velhos cotianos que você recolheu com atenção e carinho. Memórias risonhas na sua maior parte, porque esses velhos transbordam de simpatia e amor pela vida. Tenho uma raiz muito funda que me prende a esse lugar.
Meu avô, Amadeu Strambi, cultivava uva em São Roque; ali, no alto da serra, passei belos anos de minha juventude. Nas suas noites frias me aqueci no grande fogão de lenha no pátio da Matriz, onde se preparavam os pastéis, o quentão, das festas e quermesses. Ao seu redor se apinhavam as crianças, e as velhinhas, embrulhadas nos xales, olhavam as chamas e recordavam os bons tempos. Aquele fogão de lenha era o coração generoso da cidade que pulsava. Mão impiedosa o derrubou. O pátio da comunidade hoje é estacionamento.
Adeus fogão de lenha... adeus velhinhas tiritantes, adeus memória!
*
Conheci dona Didita, mãe de dona Zizinha, esposa do Sr. Amantino. Cega, costurava e cozinhava com perfeição. Mulher de rara inteligência, feliz de quem pudesse haurir a sabedoria de sua conversa. No casarão onde morou, na rua principal, tudo é venerável, desde as tábuas do assoalho até o espírito da família que, sei, conserva os altos valores de dona Didita.
*
Conheci, também, o casal admirável, Ana e Paulino Nascimento.
Os ´casos´ do Sr. Paulino eram notáveis: sua infância de menino da roça, quando o carro de Washington Luiz encalhou no barro da estrada... O presidente foi socorrido pela família do Sr. Paulino, a quem prometeu recompensar com uma escola na região, mas acho que esqueceu depois o prometido.
Ela tratava os doentes com homeopatia, pesando as doses dos remédios nos pratos de uma balança com minúsculos pesos.
- Dona Ana, a senhora levou para o céu a sua balancinha dourada com que curou tanta gente?
*
E agora, evoco por fim, aquela que foi a alma folclórica de Cotia. Dona Leonor, a que foi parteira e benzedeira.
Tive o privilégio de visitá-la um dia, quando, sentada no leito, penteava seus cabelos; hora ideal para contar histórias e revelar segredos. Quem não assistiu às festas da capela de dona Leonor, no Km 40? As ladainhas, toadas de viola, eram cantadas em latim por um ´capelão´ (as reformas litúrgicas não tinham lá chegado, ainda). Em mais de um livro sobre cultura popular foi descrita a beleza pungente daquelas devoções.
*
Dona Leonor, dona Didita, dona Ana, abençoem Cotia! Salvem a cidade das indústrias poluidoras, dos prédios que a desfiguram. Abençoem seu ar, suas águas, as matas que a rodeiam. A alma da cidade estava presa nos lugares saudosos que a ignorância e a ambição destruíram. Mas os velhos memorialistas, cujas lembranças lemos com encanto suave neste livro, ensinarão aos jovens a defender sua cidade.
E aqui me despeço, caro Marcos, de você e deles, com respeitoso afeto.
Ecléa Bosi
Prefácio à 1ª Edição
O Que Foi E Será
Paulo Bafile
Das várias formas de olhar, Marcão escolheu a mais bonita. A velha foto em preto e branco nos pega direto no coração, tudo vira documento, tudo vira coisa sagrada. Se vacilar, vira lágrima. O laquê na cabeça das mulheres, a juventude dos empreendedores, a poeira da estrada, a cruz que o povo carrega, tudo é sagrado, porque é vida.
Hoje, parece que tudo se descarta, tudo é sucesso passageiro. Naquele tempo também havia moda, e a moda passou. Mas, o que o Marcão resgata aos nossos olhos é o que importa, o que transcende – além das mesquinharias, que não interessam mais, porque não passaram de mesquinharias. O que ficou é o que interessa. Cotia está aqui, e não é a saudade do passado que nos mobiliza. É o que sempre esteve aqui – a beleza, a fé, a esperança, o bom humor. Cotia permanece, como que achando graça de tanta tolice que passa por ela. Quem olhar com atenção para as fotos e o claríssimo texto do Marcão, verá o que une os homens: as mesmas coisas do sempre. Todos nós corremos atrás delas, porque delas precisamos: a amizade, o amor, o ideal comum.
Vejam, por exemplo, a foto do bar do Savioli. Por que bater uma foto de um balcão de bar, com as pessoas olhando seriamente a câmera? Apenas porque aquelas pessoas ali sabiam que, em sua vida cotidiana, em seu trabalho ou lazer, estavam fazendo algo importante, que merecia ser documentado. Alguns poderão dizer que eram pessoas simples demais para pensarem tão longe. Mas, quem somos, senão filhos de Deus? E não seria Deus, mesmo, quem teria inspirado a todos, os fotografados e o fotógrafo, e, finalmente, o Marcão, para nos fazer chegar esta imagem tão simples e tão complexa, ao mesmo tempo?
O mesmo se pode dizer de tudo o mais, e quanto se pode dizer! O descampado onde dois homens preparam a construção do hospital. As meninas arrumadinhas carregando o andor da santa. As pesadas casas do Século XVIII, motivo de orgulho e de desdém, conforme o observador.
O mesmo se pode dizer de tudo o mais, e quanto se pode dizer! O descampado onde dois homens preparam a construção do hospital. As meninas arrumadinhas carregando o andor da santa. As pesadas casas do Século XVIII, motivo de orgulho e de desdém, conforme o observador.
A grande lição das coisas é esta – o que sempre foi, será. É desnecessário falar mais, basta ver, ler. Abraço o Marcão, agradecendo a imensa honra que me proporcionou em escrever o prefácio deste trabalho tão importante. Trabalho que permanecerá, porque sempre foi.
BAFILE, Paulo – escritor, médico; Dezembro de 1998.
Prefácio à 2ª Edição
Os Caminhos Da História Na Moderna Leitura
Dos Novos Pesquisadores
João Barcellos
Nos 450 anos de fundação de São Paulo dos Campos de Piratininga, sob projeto jesuítico do Pe. Manoel da Nóbrega, conclama-se também o Mundo para os 416 anos da fundação histórica de Cotia, que se verifica pela escritura da Sesmaria dos Índios de Pinheiros [de 12 de Outubro de 1580], e para os 148 anos de emancipação político-administrativa [2 de Abril de 1856] da velha aldeia carijó que sinalizava os vários percursos do ´piabiyu´.
A urbanidade de Cotia percebe-se a partir daquele Abril de 56, corria o Séc. XIX. Já não era somente um espaço de ruralidade a alimentar a Capital paulistana: Cotia erguia-se precariamente, mas erguia-se estabelecendo uma ordem rural própria, enquanto a Capital já bebia o cosmopolitismo das novidades industriais e culturais. Novidades que, aos poucos, iriam destruir a cultura miscigenada nas voltas da escravatura e do bandeirismo, além de esquecer a fala geral – o Tupi. Foi este conceito de ordem rural, mais popularmente conhecido por coronelismo, que impediu um crescimento urbano de raiz cultural própria a par de um desenvolvimento social e econômico em harmonia com o da Capital. Desenvolvimento que só começou a ser esboçado com a comunidade nipônica, em torno da construção e expansão da Cooperativa Agrícola Cotia [CAC]. Aí, Cotia ganhou o Mundo. Corriam os primeiros anos do Séc. XX, e veio a Indústria, a eletro-mecânica e a rural, às quais se junta a da ´era´ digital.
No livro Memória & Imagem, o professor Marcos Martinez, hoje Secretário Municipal de Educação e Cultura, em Cotia, coligiu entrevistas e dados, orais e fotográficos, e compôs um painel sócio-urbano daquela urbanidade primeva. São causos tão impregnados da alma rural que é difícil situar os personagens num contexto meramente urbano, embora o mercantilismo e o maquinário da industrialização estejam no lar de todas as pessoas ouvidas. O grande mérito de Memória & Imagem, publicado em 1999, é a tradução fiel – como fez o fotógrafo Lumi Zúnica, ao montar o acervo de imagens inéditas Cotia / Trilhas e Trilhos [2003] – do assentamento cotiano em arraiais de entorno urbano, o que começou em 1703, com a mudança da Aldeia carapicuibana do Caiapiã para o morro itapecericano, onde se situa o centro cotiano até hoje.
A busca de acervos fotográficos familiares foi, é e será, um caminho árduo na projeção de um painel sócio-cultural para se lograr uma identidade comunitária. O trabalho do Prof. Marcão, já balizado anteriormente em programas radiofônicos e textos jornalísticos locais, acabou por trazer à luz fatos históricos recentes e, outros, já celebrados pela imprensa regional. Um trabalho que contribui para dar ciência de Cotia às gerações que chegam, mas também às atuais.
BARCELLOS, João – escritor, conferencista, editor. Autor de livros sobre Cotia, como ´Oi, Cotia!´, ´Piabiyu´, ´Cotia / nas referências de são Paulo...´, ´de costa a costa com a casa às costas´ [sobre a tradição carijó que implantou a aldeia Koty] e ´Baptista Cepellos / o poeta do drama brasileiro´. Dezembro de 2003.
Introdução
Estrangeiro
Marcos Roberto Bueno Martinez
A primeira vez que coloquei os pés em Cotia foi em 1976, e senti uma imensa saudade da terra onde nasci. Cotia, com aquele jeitão de cidade do interior, fez-me lembrar de Votuporanga, lugar que tive de deixar na adolescência. Curioso, olhava as ruas de paralelepípedo e aquelas casas de taipa de pilão, como se já as conhecesse há muito tempo. Naquela visita rápida que fiz pela cidade fiquei com a sensação de que um dia eu voltaria... para morar. E voltei.
Em 1978 mudei-me definitivamente para Cotia. Dois anos depois da primeira visita a cidade tinha mudado muito. Alguns casarões tinham desaparecido e aquele ar de cidade do interior estava com um cheiro esquisito. Apesar das mudanças, mantinha o desejo de saber como era esta cidade e como eram as pessoas que aqui viviam. Como era antigamente? Como novo morador, queria fazer parte da vida da cidade e criar vínculos. Afinal, todos os meus sonhos seriam vividos aqui...
O tempo foi passando e o crescimento acelerado da cidade praticamente destruiu aquele lugar com cara de província. Mesmo não tendo iniciado o curso superior de História, fazia pesquisa com os moradores antigos. Objetivo? Resgatar a memória do que estava se perdendo.
Nós, moradores que chegamos nas últimas décadas do crescimento desordenado, éramos estrangeiros, e precisávamos encontrar a nossa identidade cultural, que ficou para trás. Esta necessidade de ser alguém fez com que me empenhasse em escrever este livro, que fala da Cotia do início do Séc. XX até o final dos Anos 60. O que fazer? Encontrei a melhor maneira de registrar esse período fazendo entrevistas com moradores antigos... um trabalho que demorou quase 10 anos para se realizar. Ganhar a confiança para que as pessoas falassem das suas lembranças não foi tarefa fácil. Aos poucos, íamos reconstituindo um pedaço da memória da cidade que estava escondida. A primeira pessoa que se desnudou na frente de uma câmera de vídeo, para falar do passado foi dona Irene Lemos Leite Silva; depois, a filha de Nhô Nhô, e assim foi. Nos últimos anos começaram a aparecer fotografias que vieram reforçar aqueles registros orais. Tínhamos, então, o poder das imagens congeladas fotograficamente, e as palavras nas entrevistas – palavras que deram sentido e vida para as fotos: era uma cidade que quase só existia na memória dos vividos.
Nós, moradores que chegamos nas últimas décadas do crescimento desordenado, éramos estrangeiros, e precisávamos encontrar a nossa identidade cultural, que ficou para trás. Esta necessidade de ser alguém fez com que me empenhasse em escrever este livro, que fala da Cotia do início do Séc. XX até o final dos Anos 60. O que fazer? Encontrei a melhor maneira de registrar esse período fazendo entrevistas com moradores antigos... um trabalho que demorou quase 10 anos para se realizar. Ganhar a confiança para que as pessoas falassem das suas lembranças não foi tarefa fácil. Aos poucos, íamos reconstituindo um pedaço da memória da cidade que estava escondida. A primeira pessoa que se desnudou na frente de uma câmera de vídeo, para falar do passado foi dona Irene Lemos Leite Silva; depois, a filha de Nhô Nhô, e assim foi. Nos últimos anos começaram a aparecer fotografias que vieram reforçar aqueles registros orais. Tínhamos, então, o poder das imagens congeladas fotograficamente, e as palavras nas entrevistas – palavras que deram sentido e vida para as fotos: era uma cidade que quase só existia na memória dos vividos.
Mas, este livro não é só para ficarmos a viver do passado. Ele traz, na fala dos moradores antigos e nas fotografias, um chamado: precisamos interferir no cotidiano desta cidade para melhorarmos a qualidade de vida e resgatar, principalmente, a dignidade. O material que produzimos com a pesquisa mostra, claramente, que fomos omissos em relação à destruição das festas religiosas, do bom humor e da arquitetura da região central de Cotia. Entretanto, ainda há tempo para mudar e socorrer...
Essa omissão não foi, de todo, completa. Omissão maior foi a do Poder Público, que sempre esteve atrasado na relação com as necessidades da Comunidade. A água chegou na pequena cidade nos anos 40, com atraso! Passados muitos anos, algumas necessidades básicas ainda não foram atendidas. O hiato entre o Poder Público e a Comunidade é gritante. A maior obra pública da cidade foi realizada pela Comunidade: o Hospital de Cotia.
Memória & Imagem não é um amontoado de velharias. É um espelho – principalmente para os políticos – para os que precisam andar em compasso com a construção de uma Cotia que valorize a sua História.
Na fala dos entrevistados encontramos a Amizade, o Amor – um Amor que, pelo próximo, é grande!... Os mendigos – Morrudo e Inácio – eram tratados como ´gente da família´. Outro aspecto interessante que esta pesquisa revela é que tal atitude de Amor se ampliou: são várias as instituições que prestam serviços filantrópicos no Município. Cuidam dos velhos, das crianças, dos deficientes e dos desamparados; é um segmento da Sociedade que pulsa completamente dissociado do Poder Público, que perde a oportunidade de caminhar com a Sociedade. As pessoas tinham uma relação lúdica entre elas. Em alguns depoimentos isto está claro. Os laços de Amizade, de Respeito e de Amor, eram virtudes que permeavam as relações. Na leitura dos textos, fica a impressão de que alguns moradores ficavam um bom tempo imaginando como criar estripulias para aplicar nos vizinhos, nos colegas de trabalho. E o que é importante frisar: as brincadeiras não agrediam a dignidade dos envolvidos (...bem diferentes das realizadas nos programas de auditório de tv, sem categoria alguma)!
Com este livro, resgatamos o Humor, a Solidariedade e a Fraternidade. Nós, tão estrangeiros quando chegamos aqui, somos agora parte integrante destas histórias e da vida real de Cotia. A criação de uma Cidade melhor está em nossas mãos.
Com este livro, resgatamos o Humor, a Solidariedade e a Fraternidade. Nós, tão estrangeiros quando chegamos aqui, somos agora parte integrante destas histórias e da vida real de Cotia. A criação de uma Cidade melhor está em nossas mãos.
MARTINEZ, Marcos Roberto Bueno – professor de História, Secretário Municipal [em Cotia] de Educação, Cultura, Esportes e Turismo no período de 2001 a 2008 [com o prefeito Quinzinho Pedroso]; autor de ´Memória & Imagem´, Coleção ´Em Cotia´, A9 Serviços Empresariais, Vargem Grande Paulista – SP, 1999; ´Hospital Dr Odair Pedroso / Hospital de Cotia: um símbolo´, Coleção ´Em Cotia´, A9 Serviços Empresariais, Vargem Grande Paulista – SP, 2000.
Memória & Imagem
Bar e Restaurante São Luiz
O Bar e Restaurante São Luiz esteve aberto de 1937 a 1969, na Rua Senador Feijó, Nº52. O restaurante pertencia a Felício Savioli, e sua esposa Maria Francisca Bruno, devotos de São Luiz. Segundo relata Nice Savioli, o local era ponto de encontro de vários segmentos sociais da cidade. O bar deu lugar a Papelaria Savioli, em 1970, e o salão, ainda hoje, guarda no lado esquerdo um oratório com a imagem de São Luiz. Com o falecimento de Felício, em 1955, os filhos assumiram definitivamente a administração do bar.
Segundo o senhor Pedro Victor, conhecido morador da cidade, o fotógrafo que tirou essa foto foi o filho de dona Tereza Preta, que se chamava Laerte, mais conhecido pelo apelido “Lete”. A data provável desta foto se situa entre 1950 e 1955. Da esquerda para a direita, o senhor de chapéu branco não foi identificado. O segundo é Arthur Preto, que possuía, na época, o único carro de aluguel (táxi) da cidade. O terceiro é Roque Savioli, e o menino ao seu lado, que trabalhava no bar, provavelmente morava em Ibiúna. Do lado direito do menino, está o irmão de Roque, Yolando Savioli. Do lado direito da foto estão pessoas que não conseguimos identificar. Um outro detalhe interessante que a foto registrou são as bebidas importadas no pilar central do bar.
Nice, esposa de Roque Savioli, lembra que todos trabalhavam muito na época do restaurante. O Bar e Restaurante São Luiz servia comida para viajantes que vinham do Rio Grande do Sul, de Sorocaba e de outras cidades vizinhas. Rose Savioli, filha de Roque Savioli, lembra com saudade da Semana Santa, quando era servida uma farta bacalhoada. Relata Rose: “A bacalhoada era feita numa panela grande e, após a missa, muita gente ia comer sanduíche feito de bacalhau”. Nas Sextas-feiras Santas eram feitos entre 900 e 1000 pastéis de palmito. Nessa época, aparecia gente de quase toda a região: Vargem Grande Paulista, Itapevi, Caucaia do Alto, Morro Grande e outras cidades. Roque Giannetti era outro freqüentador assíduo do bar. Tinha seu ponto comercial bem em frente e ia tomar seu golinho de café todos os dias. Segundo dona Dice, depois da missa de domingo, era costume das pessoas ir ao bar tomar café e comer pãozinho com manteiga (o melhor da região).
O Bar e Restaurante São Luiz fazia frente para as ruas Senador Feijó e Beco do Felício, hoje travessa Felício Savioli. Era o ponto de encontro preferido dos políticos. Antes do início da sessão da Câmara Municipal, os vereadores juntavam-se ali para discutir política e tomar o saboroso café. No bar, também aconteciam histórias pitorescas, e uma delas tem Roque Savioli como protagonista: ele mandou confeccionar alguns santinhos anunciando a missa de sétimo dia do vereador Dito Lopes, enquanto este gozava de perfeita saúde e muita vida. Imaginem o bafafá que deu! Alguns dos vereadores eram amigos do dono do bar. Alguns prefeitos também freqüentavam o local, como por exemplo, Carmelino, Emílio Guerra, Ivo e outros. Até Laudo Natel e Jóia Junior marcaram ponto no bar do Savioli.
O que parece, de fato, é que o espaço do bar era um lugar onde se estabeleciam relações sociais. Segundo o Sr. Feíz, comerciante da cidade, lá foi instalada a primeira televisão do município, em 1951. Moradores de diferentes lugares da cidade reuniam-se no bar para assistir a programação. Ali se assistia a filmes do Mazzaropi e outras atrações televisivas da época. Rose Savioli lembra que muitas vezes não cabiam todos os telespectadores dentro do salão e muitos moradores da vizinhança, que vinham para a cidade de caminhão, assistiam aos programas de cima da carroceria. Alguns relatos mostram que muitos moradores vibraram com o vídeo-teipe da Copa do Mundo de 1966. É importante ressaltar que as pessoas, antes de assistir aos jogos da televisão, tinham o hábito de ouvi-lo pelo rádio. O senhor Feíz lembra de cenas engraçadas entre o Roque e o Yolando Savioli: ambos ficavam tentando arrumar o vertical e o horizontal da televisão (naquela época era assim!) e encontravam muita dificuldade para colocar a imagem em ordem. O Bar e Restaurante São Luiz, de fato, marcou época.
A Praça da Matriz
Ah! A praça da matriz da cidade de Cotia! Ela fez parte da vida de muita, muita gente... Eram passeios, namoricos, esperanças... As moças subiam de braços dados a rua Senador Feijó em direção à praça, onde os moços as esperavam para o momento do flerte. “Foi assim que comecei a namorar o Roque Savioli” - disse dona Nice.
Benedita Amélia Barreto Alvez, a dona Zizinha, cotiana nascida em 1916, conta suas lembranças sobre a praça e nos fascina com a objetividade que dá às suas palavras: “Naquele tempo íamos a reza depois dávamos algumas voltas pela praça, mas tínhamos que voltar cedo para casa”. Trazendo mais recordações de sua memória, dona Zizinha transforma suas frases em cenas vivas. Lembra-se do cruzeiro na frente da igreja, que deu lugar tempos depois ao coreto, das beatas, das festas, dos tropeiros que atravessavam a praça e seguiam na direção ao sítio do Nhô Zaca, no Portão. Uma das imagens que marcou Zizinha foi quando os revoltosos de Isidoro Dias Lopes, em contenda com Washington Luiz, chegaram do Paraná, e um de seus homens entrou em plena Igreja Nossa Senhora do Monte Serrat... montado em seu cavalo. Foi um tumulto geral.
Maria Conceição Alves de Oliveira, outra moradora da cidade, lembra-se da inauguração do segundo coreto, em 1967. A festa contou com a presença da caravana dos artistas do Programa do Rádio Patuá Reis e trouxe os cantores Nelson Gonçalves e Paraguaçu Paulista. Era costumeira, no coreto, a apresentação da Banda Municipal da cidade. Para lá iam os cidadãos, a fim de escutarem marchas, valsas, modinhas... A praça era o centro cultural da época - todas as atividades aconteciam no coreto. Era também o único lazer da cidade. Conta o Sr. Leonel Ganem que a praça transformava-se, vez por outra, em campo de futebol. Os times eram formados pelos moleques que moravam nas casas do lado direito e do lado esquerdo da igreja.
Pedro Victor e Oscarlina Pedroso Victor, recordam as festas religiosas que aconteciam no decorrer do ano, na praça da Matriz. As festas do Divino, de São Benedito e da padroeira da cidade, eram comemoradas com muita devoção. A Festa do Divino era realizada 40 dias depois do Sábado de Aleluia e as festas da Padroeira e de São Benedito aconteciam juntas, no dia 8 de Setembro, para evitar que houvesse dois feriados – é que São Benedito teria o seu “dia cotiano”, não oficial, em 9 de setembro. Segundo dona Maria Conceição, na festa do Divino os sitiantes e moradores da cidade levavam suas prendas para a casa do festeiro do ano. Essa casa ficava conhecida como a Casa da Comida e os alimentos eram distribuídos graciosamente para os devotos.
Passando a analisar as fotos, na primeira temos em destaque Benedito Carlos dos Santos, que era conhecido pelo apelido de “Ditão” – habitante muito popular da cidade; do lado esquerdo da praça está o coreto, o bar do seu Vermelino, um sobrado onde se localizava a farmácia, e logo depois o Beco do Savioli.
Na segunda foto, do lado direito da praça, destacam-se a Igreja da Matriz e a rua Senador Feijó, ainda em terra batida, sem paralelepípedos. Pesquisa realizada pelo padre Daniel informa que a igreja da praça foi inaugurada em 1713. Pedro Victor destaca que essa foto foi tirada por ele de cima do bagageiro de uma jardineira – o ônibus da época -, antes do seu casamento com dona Oscarlina, em 1945.
Esporte Clube Cotiano
Os jogadores e simpatizantes do time, em pé, da esquerda para a direita, são: Irineu Pedroso, simpatizante; Dito César, lateral-direito; Mário Silva, goleiro; Luiz Nunes da Silva (Mimi), beque direito; Sílvio Pedroso, centro-direito; José Matias Pedroso (Zezinho da Pituta), lateral-esquerdo; Augusto Lemos, simpatizante. Os jogadores agachados, da esquerda para a direita, são: Joel Monteiro, ponta-direita; Pedro Victor Moraes Sobrinho, meio-direita; Roque de Queiroz (Roque do Zizico), ponta-esquerda.
Zezinho da Pituta era o lateral-esquerdo e, também, exercia a função de secretário do time. Emocionado, lembra: “Alguém precisava cuidar dos papéis da equipe”. Recorda ainda que a prática do futebol naquela época não era profissional e que não se organizavam campeonatos. Quando convidavam algum time de fora para jogar em Cotia, tinham que pagar as despesas da equipe visitante. Apesar do amadorismo das equipes, as partidas eram disputadas com seriedade, principalmente com o América de Itapevi e o Atlético de São Roque, times bons de bola.
Pedro Victor Moraes Sobrinho ressalta que no espaço em que a fotografia foi tirada encontra-se hoje o Esporte Clube Cotia, que naquela época não existia.
Antigamente era muito difícil manter uma equipe de futebol. Esse fato pode ser constatado quando Pedro Victor afirma, que em Cotia, chegou a existir um time com o nome de Vasco da Gama, obviamente, patrocinado por um português que chegou a esta terra. Outro time antigo da cidade foi o Piratininga, que é muito lembrado pelos antigos moradores pelo estilo de suas camisas, que traziam impressas as letras do nome.
Capela Nossa Senhora da Penha
A Capela Nossa Senhora da Penha ficava na rua Lopes de Camargo, que começa na frente da Cantina do Luiz e faz esquina com a travessa Joaquim Horácio Pedroso, bem no centro de Cotia. Atualmente, o que sobrou da capela fica do lado direito da calçada. Segundo dona Oscarlina Pedroso Victor, ainda hoje existe no terreno, cercado por um grande muro, o alicerce do que seria a nova capela.
A capela foi construída provavelmente no século passado. Era feita de taipa de pilão, com exceção da sacristia, que foi construída depois, com tijolos. O padre Luiz Martine iniciou, em meados da década de 50, uma campanha para construir uma capela maior para os devotos da santa – a antiga era muito pequena para os fiéis. Infelizmente, a campanha naufragou e, conseqüentemente, a capela foi destruída. Ainda segundo dona Oscarlina, a demolição começou antes mesmo do padre Luiz ter dinheiro para construir a capela maior. O dinheiro seria arrecadado com festas.
Na época da demolição da capela, lembra Mário Savioli, que, juntamente com o falecido Vicente Barreto, tentaram salvar o altar da destruição, escondendo-o em um matagal. A iniciativa dos meninos não obteve sucesso, e o altar foi parar na fogueira. A destruição total da capela ocorreu aproximadamente no ano de 1959.
Do lado direito da Capela Nossa Senhora da Penha funcionava o Grupo Escolar de Cotia. Aracy Passos Crem da Silva freqüentou essa escola no período de 1940 a 1943, e terminou ali o antigo primário; ela lembra que, logo após ter terminado o primeiro grau, a escola mudou-se para a rua Senador Feijó, entre a casa Yano e a Caixa Econômica Federal. Após a mudança da escola, o lugar foi ocupado pela Prefeitura Municipal de Cotia.
Dona Oscarlina lembra, também, que as crianças tinham medo de brincar à noite perto da capela, pois era assombrada, assim diziam. Contam que na capela, principalmente à noite, aparecia um padre que entrava e saía pela porta da frente. Ninguém sabia explicar de onde vinha nem para onde ia. Mário Savioli ainda tem na memória uma imagem forte dos morcegos que povoavam a capela. Pedro de Moraes Victor Junior e dona Aracy lembram que as crianças gostavam de brincar próximos à capela. Dona Virgília Dias Vieira, que cuidava da limpeza e da troca das flores, tinha um carinho especial pela capela e era devota fervorosa da santa. Ralhava com as crianças toda vez que a bola batia nas paredes. Dona Oscarlina tem saudade das missas e da procissão que aconteciam em devoção à santa, no dia 2 de Fevereiro.
Na primeira foto podemos observar a fachada da capela e, na segunda foto, temos o privilégio de conhecer o seu interior. Do lado esquerdo ficava a imagem de São Benedito e na parte central a imagem de Nossa Senhora da Penha, toda esculpida em pedra. Essa imagem foi depois transferida para a Igreja Matriz, de onde, infelizmente, foi roubada. Do lado direito ficava a imagem de Nossa Senhora do Carmo. Debaixo do altar central ficava uma imagem de Nossa Senhora da Aparecida.
Com certeza, vocês devem estar se perguntando quem são as crianças que estão na foto. Da esquerda para a direita, são: Pedro de Moraes Victor Junior, Luiz de Moraes Victor e Maria Lúcia Moraes Victor Muraro. O fotógrafo foi Joaquim Matias Pedroso, conhecido por Quinzinho. A foto data de 10 de abril de 1955.
Personagens da Terra
Vicente Pedroso, funcionário da Caixa Econômica Federal e da Coletoria Estadual; José Borba, conhecido pelo apelido de Borbinha, era motorista de ônibus; Dr. Francisco Figueiredo Filho, médico do posto de saúde que se localizava do lado da loja da Léia; Joaquim de Moraes Victor, enfermeiro do posto de saúde; Roque Savioli, comerciante.
Padre Miguel Pedroso – Chegou a Cotia em meados da década de 40 e ficou aqui por cinco anos. O padre Miguel se diferenciava dos outros padres por ser exorcista e por praticar curas, tidas como milagrosas por alguns paroquianos. O padre fazia suas bênçãos para expulsar os demônios e foi muito perseguido pela Igreja, que não admitia esse tipo de prática. Oscarlina Pedroso Victor relata um caso que comprova essa forma diferente de cuidar dos fiéis: uma senhora, que não podia comer e que estava muito debilitada, foi atendida pelo padre Miguel. Como ela se debatia muito, Borbinha ficou segurando-a para que não se machucasse. Padre Miguel, com suas orações, fez com que ela, minutos depois, expelisse pela boca uma pelota de cabelo.
Esta foto foi tirada no dia 23 de novembro de 1952, há 46 anos. Ao fundo observa-se a Capela de Nossa Senhora da Penha, e o personagem na frente é um dos andarilhos que passaram por Cotia, e o que mais cativou os moradores. Inácio Santo era seu nome. Ele prestava serviço aos moradores carregando latas de água, e a cada lata de água carregada, as pessoas pagavam-lhe um tostão. Maria Pedroso Moraes, de 84 anos, conhecida como dona Mariazinha, guarda em suas lembranças que Inácio, além da lata na cabaça, trazia duas outras nas mãos e andava pelas ruas da cidade cantarolando e dançando.
A água encanada chegou a Cotia por volta de 1946, e nem todos os moradores podiam ter essa água em casa, pois, era uma comodidade muito cara. Era esse o grande motivo do trabalho do Inácio. Ele a buscava no Rio das Pedras, que corre paralelamente à Rodovia Raposo Tavares e na biquinha de dona Gelica, na pedreira atrás do Bradesco, e a trazia para a cidade. Havia também o Rio da Vaginha, que foi canalizado: corria nos fundos da casa de seu Nhô Nhô. O chafariz da praça era outra opção para a coleta de água.
Além do Inácio Santos, existiam outros moradores pitorescos na cidade. O Morrudo, que era conhecido por passar o dia todo indo nas casas das pessoas para tomar café, costumava chegar sem avisar – naquele tempo as portas ficavam abertas -, abancava e, depois, “pagava” a bebida e a prosa carregando a lenha.
O Dito Bode contava que era fazendeiro e que tinha muitos bois. Ficava bravo quando diziam que seus bois tinham subido na cerca. Outro era o José: muito trabalhador, mas também ficava bravo quando alguém o chamava de “cachorro do mato”.
Procissões
Na pesquisa realizada pelo padre Daniel Balzan sobre a Igreja Nossa Senhora do Monte Serrat, verifica-se a força da religiosidade e da influência das Irmandades na sociedade cotidiana do século XVIII. Registra o padre Daniel: “Cada uma das Irmandades, a de Nossa Senhora dos Pretos, a de Nossa Senhora da Conceição e a do Santíssimo Sacramento, tinham sepulturas próprias. Os irmãos falecidos eram sepultados com o hábito da própria irmandade, ou simplesmente enrolados em panos brancos e enterrados numas das sepulturas, na presença dos demais irmãos”.
Quase dois séculos depois, ainda é forte essa religiosidade em Cotia. A memória de moradores antigos e as fotografias revelam a vida social da cidade intensamente ligada à religião. Nas décadas de 40, 50 e 60, as procissões ditavam o comportamento cultural dos moradores de Cotia e região, logicamente, com características bem diferentes daquelas do período colonial. Antonia Luisa Moraes Barreto, conhecida pelo apelido de dona Juju, conta que seu pai, Antônio Benedito de Moraes, escrivão da paz, tabelião e devoto de Santo Antônio, encomendou a um carpinteiro que fizesse uma charola – o mesmo que andor – caprichada para demonstrar a sua devoção ao santo.
Dona Juju, com 81 anos durante a entrevista, lembra de uma crença que era singular nas procissões em Cotia: a charola de São Benedito não podia sair nem no meio nem no fim da procissão, tinha que ser o “abre alas”. Se o santo não saísse na frente, com certeza choveria. Outro relato interessante dela é sobre a ornamentação do andor. Ao prepará-lo, ela conta que gostava muito de usar flores naturais e ressalta que as roupas de quem carregava o andor tinham de ser da mesma cor dos arranjos das flores. “O Ditão, que era quem organizava a procissão, era profundamente perfeccionista” – disse ela.
A procissão mobilizava muita gente. O percurso iniciava-se na rua Senador Feijó, entrando na rua Joaquim Horácio Pedroso, passando pelas ruas Lopes de Camargo e Dez de Janeiro, até à praça Padre Seixas; entrava novamente na rua Senador Feijó e terminava na frente da igreja. Segundo Oscarlina Pedroso Victor, cada irmandade representa um segmento da comunidade. A Irmandade Cruzada Eucarística era representada por crianças que usavam uma fita amarela, que identificava seu grau de religiosidade. A Pia União das Filhas da Maria representava as moças, que ficavam nessa irmandade dos 15 anos até o casamento. A fita usada era de cor verde. A Irmandade de São José era composta por homens e mulheres. A de São Benedito e do Santíssimo Sacramento eram compostas apenas por homens. Os irmãos de São Benedito usavam uma indumentária branca com capa preta, chamada opa, e os irmãos do Santíssimo usavam outra, vermelha. Na Irmandade Nossa Senhora das Dores a fita era roxa. Na Coração de Jesus era vermelha e na Congregação Mariana, era azul. Esta ultima era composta por moços e seus dirigentes tinham estrelas de metal em suas fitas. Outro detalhe interessante: as roupas dos carregadores de andor eram todas iguais e da mesma cor.
Essa foto foi tirada em 1928. Nela observa-se, no meio da aglomeração na frente da igreja,
o estandarte de São Benedito.
A foto foi tirada no dia 25/07/65, na festa do Divino Espírito Santo. Nesse ano, os festeiros foram o Quinzinho Pedroso e dona Bela. O andor é o de Santo Antônio. Da esquerda para direita temos Lorival Pedroso, Terezinha Novais Moraes, Pedro de Moraes Victor Júnior, Amélia Maria Moraes Barreto e atrás do Pedrinho, o Gilberto Moraes Novaes.
Da esquerda para direita: Ana Maria Chagas e Norma Giannetti. O andor é da Santa Terezinha.
A foto foi tirada em 22/10/66. Da esquerda para direita, estão Joaquim de Moraes Victor e Pedro de Moraes Victor Júnior. O andor é o São Sebastião.
Casarões Coloniais
Foto 1
Benedita Amélia Barreto Alves (a dona Zizinha) lembra de um dos nomes dos donos do casarão: “o Sr. Vermelino”. Segundo alguns comentários, esse bar era muito elegante para a época. O Dr. Osvaldo Manuel de Oliveira, que nasceu em 1931, conta que o bar também foi do seu Laurindo Jorge Lima e que, realmente, era um bar cheio de glamour. O último proprietário, antes da demolição do casarão no final de 67, foi o Sr. Mishimura. O casarão localizava-se à rua Senador Feijó, próximo a Travessa do Felício.
Foto 2
Podemos apreciar um outro ângulo do casarão. As fotos 1 e 2 foram tiradas na dia 19 de Novembro de 1967 por Pedro Victor Júnior, morador da cidade. No local da praça onde está o casarão, ficam o ex-abrigo de ônibus e uma banca de jornais, bem na pontinha da praça da Matriz, do lado direito.
Foto 3
A cada artigo vamos reconstruindo a memória e um pouco da arquitetura da cidade. Do lado esquerdo temos o casarão e do lado direito o sobrado do Sr. Alípio. A parte de cima era a área residencial do prédio, e embaixo ficava o salão comercial. O Dr. Osvaldo recorda que na parte comercial do prédio funcionava uma farmácia e que, tempos depois, foi ocupada por três agências bancárias: o Banco Popular do Brasil, o Banco Riachuelo e mais recentemente o Bradesco.
Uma característica que já podemos definir sobre a cidade é que ela era essencialmente religiosa. No primeiro plano da foto está Benedita Amélia Barreto Alves carregando a imagem de Nossa Senhora da Aparecida e ao seu lado está seu esposo, Joaquim Alves, com o estandarte do Divino Espírito Santo. No ano de 1965 eles foram os festeiros. Esse também foi o último ano em que a tradicional distribuição de alimentos foi realizada.
Foto 4
Partindo do lado direito da rua Dois de Abril, margeando a praça, tínhamos o armazém de secos e molhados de Rajá Ganem. Segundo depoimentos de Lufit Ganem, “no armazém se vendia de tudo”. Com a desapropriação da casa aconteceu a sua demolição em 1967, para ampliação da praça. Na frente da Igreja da Matriz, do lado oposto da praça, tinha um outro casarão... Segundo o Dr. Osvaldo, nessa casa funcionou uma farmácia que pertenceu a José Martins Barros e, depois, estabeleceu-se ali a barbearia de Roque Giannetti.
Foto 5
Visão ampla da rua Dois de Abril. Olhando da porta da igreja para o lado esquerdo percebemos um estabelecimento: era o restaurante de Emília Costa.
Histórias de Roque Giannetti
Foto 1
Rua Senador Feijó, sendo preparada para a colocação de paralelepípedos.
Roque Giannetti chegou em Cotia no ano 1938 e ganhou de seu pai, aos 16 anos, uma barbearia na cidade, onde exerceu seu oficio. O Sr. Roque, hoje com 75 anos, e como gosta de ressaltar, 75 incluindo os nove meses que ficou na barriga de sua mãe, lembra dos sessenta anos, que mora na cidade, com um bocado de saudade.
Entre tantas histórias uma chama a atenção: conta ele que um belo dia, lá pelos idos de 40, precisava ir a São Paulo para fazer compras para a sua barbearia, mas foi avisado por seu Vermelino, outro antigo morador da cidade, que naquele dia ia chover muito. Desconfiou do conselho e foi para a Capital, pois o céu estava azul, o sol brilhava e nada indicava que pudesse chover. Ao chegar próximo do atual Rancho da Pamonha, o tempo fechou e desabou o maior temporal do mundo. O ônibus encalhou e o Sr. Roque chegou a São Paulo coberto de lama. No final da tarde, chegando a Cotia, quem o estava esperando? O Sr. Vermelino, de maneira mais irônica possível, disse: - Não falei que ia chover?
O Sr. Roque, todo tímido, perguntou: - Mas, como o senhor sabia?
Vermelino, então, perguntou a Roque se ele estava vendo o galo em cima da torre da Igreja da Matriz; ele disse que, quando ele está com o rabo virado para o lado da praça, significa frio e chuva, quando ele está olhando para a praça, o dia é bonito.
Quem quiser conferir, o galo ainda está no mesmo local.
Outra história interessante de Roque Giannetti é esta: ele teve que enfrentar o delegado de polícia, que na época tinha praticado algumas arbitrariedades. O delegado chamou várias pessoas para prestarem esclarecimento sobre um certo caso, nada por escrito, tudo verbalmente, e acabou com as pessoas que lá foram. O Sr. Roque, como não compareceu, recebeu uma segunda intimação, agora por escrito. Antes mesmo de o delegado começar a esculachar, ele, com o seu jeito calmo, acabou com o delegado.
Foto 2
Vista da rua Senador Feijó. Foto tirada em meados da década de 60. Ônibus da empresa Nossa Senhora da Aparecida, de Emílio Guerra. Do lado esquerdo, um Simca Chambord.
Bandas Jazz XV de Agosto e Ritmo Continental
A foto foi tirada por Laerte, em 1957, no Clube Recreativo, que pertencia à Cooperativa Agrícola de Cotia. O salão ficava próximo à rua Joaquim Horácio Pedroso, ao lado do posto de saúde.
As bandas Jazz XV de Agosto e Ritmo Continental embalaram as festas da cidade por muitos anos. Conta Antônio Lopes Navarro, o “Abobrinha”, que logo que chegou à cidade, nos anos 50, passou a fazer parte da Banda XV e teve que aprender a música Pau D’água, que fazia sucesso entre os freqüentadores do Clube Recreativo.
Foto 1
Formação da banda Jazz XV de Agosto: da esquerda para direita – Zucão (cantor), Canuto Passos (trombone de vara), Valdemar Gonçalves, o Praia (bateria), Osvaldo Passos (sax e clarinete), Laudelino Passos (sax), Butina (bateria), Ovídio Passos (bôngo), Cuitelo (pistão), Antônio Lopes Navarro, o Abobrinha, (cantor).
Foto 2
Interior do Clube Recreativo.
Foto 3
Banda Jazz XV de Agosto em uma de suas apresentações, no Esporte Clube Portão. Quem está cantando é o Abobrinha, Laudelino e Osvaldo Passos no sax. Nessa época o clube localizava-se à rua Macapá.
Foto 4
Apresentação da Banda Jazz XV de Agosto no Clube das Graças, no Morro Grande. À esquerda, tocando guitarra, o “Zé Lenha”.
Era raro “o sábado que não tinha um bailinho”, diz Abobrinha. Os ritmos mais solicitados pelos dançarinos eram o bolero, a música romântica, o samba e o samba-canção.
Foto 5
Outra banda de sucesso era a Ritmo Continental. A foto mostra uma apresentação no Clube Santa Cruz. Formação: sentados – Toninho Medeiros (sax) e Flávio (bateria); em pé, de esquerda para direita – Abobrinha (cantor), Vespa (contra-baixo), Ewaldo Fecchio (sax), Marcos Savioli (clarineta), Ditide (trombone de vara). Além dessas bandas, existia uma outra chamada Vosso Jazz, que era composta pelos músicos mais antigos e experimentados da cidade.
Os Cavaleiros da Esperança
Ao conversarmos com Benedito Viviane sobre a idéia de construir um hospital em Cotia, em meados da década de 60, a emoção determina a tônica da entrevista. O Sr. Viviane lembra a dificuldade que os interessados enfrentaram e o medo de fracassar nesse projeto, medo que iria persegui-los durante todo o processo de construção do prédio.
Recorda que, antes da idealização da construção do hospital, um grupo de moradores da cidade já havia tido essa mesma idéia, na década de 50, tendo recebido verbas do Estado e a doação de um terreno, onde hoje está a Rodoviária de Cotia. Na época, o sonho da cidade fracassou, e os moradores tiveram que devolver as verbas ao Estado e o terreno, ao seu proprietário original. Porém, a necessidade de um hospital e a coragem de um novo grupo romperam com qualquer impedimento que inviabilizasse o sonho de sua construção – diz o Sr. Viviane –, inclusive, o medo do fracasso.
No barzinho da D. Amélia e do Sr. Godói, o Jacaré, num domingo de sol, surgiu a idéia de construir uma Santa Casa em Cotia – foi da conversa entre o Dr. Osvaldo Manuel de Oliveira e o Dr. Rubens Ferrari. Recorda o Sr. Viviane que os partos eram muitas vezes realizados por parteiras e em outras vezes em hospitais distantes daqui, um em Osasco e outro nas Clínicas, em São Paulo... muitos partos foram realizados na estrada.
Uma semana depois da decisão de construir uma santa casa em Cotia, foi marcada uma reunião, que se realizou no Cinema do Jubran com a presença de 400 pessoas. Haruyuki Yano, chamado o “Patriarca do Hospital” pelo Sr. Viviane, aderiu à idéia que surgiu no bar e ambos ajudaram a organizar a reunião. Os organizadores levaram a proposta de formação de diretoria da Associação da Santa Casa de Cotia. Indicações dos nomes: presidente – Sr. João Tavares, diretor da casa de detenção de São Paulo; vice-presidente – Dr. Rubens Ferrari, juiz do Trabalho de São Paulo. Os outros nomes dos componentes que formavam chapa: Dr. Osvaldo Manuel de Oliveira, Harayuki Yano, Pedro Victor, Dr. Edson Frederich, Sr. João Torrezani, Sr. Benedito Viviani, Dr. Valdemar Albano, Sr. Nivaldo Abud, Sr. Ermínio “Despachante” e Sr. Epitácio Gadelha. Várias outras pessoas fizeram parte das reuniões do hospital de Cotia, porém não foi possível fazer um levantamento correto de todos os nomes. A reunião seguinte, realizada uma semana após a primeira, foi um balde de água fria: compareceram apenas trinta pessoas. Apesar do temor do fracasso o grupo não desistiu e continuou a realizar reuniões, todos os domingos, no salão no fundo da igreja, com uma média de 12 pessoas. Também se encontravam no Bar do Matias e no escritório do Sr. Yano.
Depois de dois meses de muita luta, entra em cena uma nova situação que vai provocar uma cisão no grupo: através de uma deliberação, o Sr. Yano convida para participar da reunião o Sr. Odair Pacheco Pedroso, conhecido em todo o Brasil por implantar hospitais. O Sr. Odair exigiu algumas condições para assumir a liderança construção. A primeira é que deveria ser um hospital e não uma santa casa. Outra exigência era que, para iniciar a construção, tinha escolhido uma equipe de quatro pessoas: Benedito Viviani, Yano, Osvaldo e Rubens Ferrari. Em relação aos nomes houve consenso, mas o conflito surgiu por causa de um hospital. Algumas pessoas preferiam que fosse uma santa casa. Esse fato não impediu que a Associação do Hospital de Cotia iniciasse suas obras.
Foto 2
Da esquerda para direita de pé: Francisco Rubi Jimenes, José Carlos Mendes de Carvalho, um funcionário do cartório, não identificado, Rubens Ferrari e Benedito Viviani. Sentados: Odair Pacheco Pedroso, Leon Pasankevich, Ivo Mário Isaac Pires, Eurico Toledo de Carvalho, Lourdes de Carvalho.
Foto tirada na ocasião em que a Associação do Hospital de Cotia e o Saec (atual Sabesp) assinaram permuta de terras – 5.000 metros quadrados. Foto tirada em 1968 pelo Sr. Yano.
Durante toda a fala do Sr. Viviani vê-se que os envolvidos no sonho de Cotia ter seu hospital estavam além das vaidades. Todos os moradores de Cotia conversavam sobre o hospital nas 24 horas do dia, e um fator de grande importância nessa empreitada é que todos os segmentos da sociedade cotiana se envolveram com a tarefa de construir o prédio.
“Ninguém está vendo nosso trabalho, mas lá de cima estão”
(frase escrita atrás da foto abaixo, enviada ao Dr. Odair em 1975)
Foto 3
Sr. Viviane, no canteiro de obras com o pedreiro Evídio Rodrigues. Nessa foto dá para se observar, ao fundo, os atuais bairros Coimbra, Turiguara e Jardim Rio das Pedras, na época só uma mata.
Uma outra exigência do Dr. Odair Pacheco Pedroso para assumir a responsabilidade de construir o hospital de Cotia era ter carta branca para tomar qualquer tipo de decisão. O grupo envolvido cedeu a carta sem maiores problemas. Além de escolher os quatro assessores para a construção, o Dr. Odair formou também sua equipe clínica, com a participação dos médicos Dr. Eurico Toledo Carvalho, Dra. Lurdes, Dr. Antônio Monteiro, Dr. Antero Barrado, Dr. Alberto Caputo e Dr. Epitácio Gadelha.
Foto 4
Da esquerda para direita: Dr. Eurico Carvalho, Sr. Benedito Viviane, Dr. Odair Pacheco, Sr. Laudelino, o mestre-de-obras. A senhora que aparece na foto não foi identificada.
Após a definição da equipe e a formação da associação, o lugar para construir o prédio. Para que se tenha uma idéia de como os moradores de Cotia se envolveram na construção do hospital, logo no início, houve três doações de terrenos. A dona Nhá Nhá se propôs a doar uma parte de suas terras, próximas ao Mirante de Mata. O Dr. Celso também se propôs a doar terras para a construção do hospital, onde hoje fica o Jardim Lina. A terceira opção de doação de terreno ficava nas proximidades do Arakan. Para visitar esses terrenos formaram-se três equipes de voluntários e, apesar da boa intenção dos doadores, os terrenos não agradaram muito às equipes. Como diz o Sr. Viviani, “Parece que não era para ser naqueles lugares. Estava faltando alguma coisa”.
Foto 5
Vista da Avenida Nossa Senhora de Fátima. Nessa foto podemos observar o terreno em que iria ser construído o hospital e a Sabesp.
Conta o Sr. Viviane que ele e o Sr. Yano foram conhecer o terreno do Arakan e alguma coisa lhes dizia que não era ali. De repente, olharam para o horizonte, com o “sopro do vento dos deuses”, disseram: “É naquele morro que vamos construir o hospital”. Para ter uma visão do local imagine-se no Bairro do Turiguara, olhando em direção ao hospital. Foi isso que eles viram, com a diferença de que em 68 toda essa região era coberta de mata. Após o presságio e com os pés no chão, Yano e Viviani procuraram o dono do terreno. O primeiro contato foi com o ex-prefeito Kenji Kira, com quem o Sr. Yano mantinha uma estreita amizade, e que, por coincidência, tinha a procuração do terreno que desejavam. O dono daquele terreno era Kenzo Cayano, que cedeu uma parte das terras – 10.000 metros quadrados – para a construção do hospital. É importante frisar que a doação do terreno foi possível com a incansável intermediação de Kenji Kira.
A cada etapa vencida, novos obstáculos. Sem ajuda governamental, a equipe e vários segmentos da sociedade local organizaram eventos para construção do prédio. O Sr. Viviani, que assumiu o papel de historiador, confirma nas suas anotações que nos trinta anos de existência do hospital foram realizados 130 eventos. O Sr. Jubran, que era dono do Cinema, ajudava cedendo sessões de filme. O dinheiro arrecadado ia para a construção do hospital. Um detalhe em relação aos eventos é que os responsáveis pela bilheteria eram sempre Viviani, Osvaldo e Yano. De todos os eventos, o que mais marcou foi o decreto do monopólio da vela, que durou de oito a dez anos. Tal decreto consistia no seguinte: no Dia de Finados, só podiam vender velas as pessoas ligadas ao hospital. Outras formas de arrecadar dinheiro eram os bingos, churrascos, muitos memoráveis, e os circos que ao chegarem a cidade ofereciam um dia de bilheteria ao hospital. É difícil acreditar, mas o hospital de Cotia foi construído dessa forma.
A fundação de associação se deu no dia 28 de janeiro de 1968, num domingo, às 11 horas da manhã, no sítio do Sr. Odair, em Ituverava. Sete anos depois, em 1975, o hospital foi inaugurado.
A História da Lâmpada Queimada e Outras
Benedito Viviane, quando começa a lembrar da brincadeira da “história da lâmpada queimada” e outras traquinagens, estampa no rosto um sorriso de menino maroto. O Deposito de Material de Construções Bandeirantes era o lugar de encontro da turma, que inventava as diversas brincadeiras que embalavam uma geração, na década de 60 em Cotia.
Foto 1
O Prof. Manecão era sempre alvo de gozação da turma da brincadeira.
No ano do 1964 espalharam em Cotia e na região milhares de folhetos anunciando a invenção do conserto de lâmpadas queimadas. Aruyuky Yano, Manuel Osvaldo de Oliveira e o Sr. Calil, foram os idealizadores dessa armação. A vítima escolhida pelo grupo foi o Sr. Viviani. Se não bastassem quase três mil folhetos distribuídos, a equipe colocou em pontos estratégicos da cidade faixas com o endereço de Benedito Viviane e ainda o valor do conserto do cada lâmpada. O preço foi determinado da seguinte forma: lâmpada comum, 5 mil réis, a de farolete, 10 mil.
Depois do marketing realizado, Viviane começou a receber centenas de lâmpadas queimadas em sua casa. Muitas vezes, Viviane mandava a pessoa levar as lâmpadas no deposito do Sr. Yano e dizia que a máquina de conserto estava na loja. A fama de “gênio da lâmpada”, apelido atribuído ao Sr. Viviani, em virtude da brincadeira, foi além das fronteiras do município. Quando chegava ao banco em Pinheiros, para cuidar dos seus negócios, o gerente perguntava como estava sua fábrica de conserto de lâmpadas. Respondia Viviane com o bom humor de sempre: “Vai muito bem!”. Numa festa realizada em prol do hospital de Cotia, na casa do Dr. Odair Pacheco Pedroso, com mais de 150 pessoas presentes, de repente acabou a energia elétrica. De surpresa o Dr. Odair gritou na multidão “Chame o Viviane!”. Um anúncio foi parar no quartel do Quitaúna. Quando o sargento ficou sabendo que um irmão do “gênio da lâmpada” era seu cadete, passou a tratá-lo com privilégio.
Foto 2
Praça Joaquim Nunes; do lado direito da foto, o Depósito Bandeirantes, onde a turma da brincadeira arquitetava seus planos.
Durante dez anos o Sr. Viviani foi perseguido com a história da lâmpada. Um morador da Granja Viana deu graças a Deus quando ficou sabendo da oficina de conserto de lâmpadas. Esse morador guardou durante dez anos uma lâmpada de estimação para quando aparecesse o invento que a pudesse consertar. Na porta da casa da família Viviani, num final de tarde, apareceu um senhor acompanhado de seu filho com uma sacola cheia de lâmpadas. O menino, juntamente com o pai, estava subindo a escada, e, num singelo descuido, quebrou uma lâmpada. O pai, irritado, deu umas palmadas no garoto. Dizem que o senhor morava no bairro do São Joaquim. Para que se tenha uma idéia da dimensão da brincadeira o Sr. Viviani foi procurado por um jornalista da revista O Cruzeiro, que gostaria de entrevistá-lo.
Parece que nesse período o feitiço, de vez em quando virava contra o feiticeiro. Outra história pitoresca dessa época foi a prisão do Sr. Yano em Águas de São Pedro. A turma que gostava de brincar foi fazer uma viagem a essa cidade, onde tinham um amigo que era delegado. Conta o Viviane que o Osvaldo, o Calil e o delegado, arquitetaram o plano que levou à prisão do Yano. Mandaram prender o Sr. Yano onde estava hospedado com a turma. O policial chegou com a intimação e o levou para prestar depoimento. A única saída encontrada na hora foi não resistir à prisão e acompanhar o policial até à cadeia. O Sr. Yano falou entre lábios para o Viviani escutar: “Quem não deve não teme”. Yano, que sempre andava com uma carta de salvo conduto, naquela viagem esquecera o documento. A tranqüilidade inicial da fisionomia do Yano, com o passar do tempo, foi dando lugar a preocupação. Para tornar o fato mais real ainda, os amigos da onça, que se mostravam solidários nesse momento desagradável, solícitos e determinados, queriam viajar até Cotia para buscar a tal carta. Depois do depoimento e lavrado o boletim de ocorrência, Yano lamentava que “isto não poderia acontecer comigo, de forma alguma”. Os amigos se despediram, como se ele fosse ficar preso na cadeia de Águas de São Paulo, com a maior cara de pau. Após algumas horas do sofrimento, os colegas desvendaram a trama e Yano que respirou aliviado. Mas, logo em seguida, o Sr. Yano já estava preparando o troco.
Outra brincadeira, primorosa, foi o fechamento da porta principal da casa do Borbinha. Novamente o grupo aprontava alguma meninice. Num sábado à noite, depois que Borbinha foi dormir, o Sr. Zeca, a mando do grupo, fechou a porta da frente da casa dele com tijolos e cimento ´seca rápido´. No dia seguinte, ao abrir a porta, Borbinha deu de cara com a parede. Ele tentou pular a janela, mas não conseguiu porque estava muito gordo e logo ficou cansado. Depois de muitas tentativas começou a gritar e pedir socorro. Após um tempo apareceram algumas pessoas que o ajudaram a sair de casa. A porta foi removida só dois dias depois. Passado algum tempo, o Sr. Borbinha descobriu os malfeitores e encarou a brincadeira com muito humor.
A malhação do Judas era outra festa magnífica. Segundo o Sr. Viviani, aconteceram dois episódios nessa festa que foram marcantes. O primeiro foi realizado entre os anos de 1945 e 1960. O segundo de 1960 a 1969. O primeiro era organizado pelo Sr. Leiriano, Sílvio Pedroso e outros festeiros. Após a malhação e a missa do Sábado de Aleluia era organizado o testamento de Judas, com o objetivo de dividir os seus pertences. Sílvio Pedroso, leiloeiro do evento, distribuía cueca, calça, sapatos e objetos para algumas pessoas que depois se tornavam alvo de gozação. No início da década de 60, a turma da brincadeira retomou-a com a intenção de resgatar a malhação do Judas.
Atenção: o Sr.Viviane, que durante tanto tempo foi o mestre do conserto de lâmpadas, quer passar sua experiência ao herdeiro do Sr. Yano – o sobrinho, Reinaldo Yano. Se você tiver alguma lâmpada queimada pode entregá-la para conserto na Casa Yano...
Sputinik
Este foi o artigo mais difícil de escrever. O tema em pauta mistura muita ficção e fatos históricos. Utilizei quase todos os recursos científicos proporcionados pela pesquisa, com o objetivo de separar a ficção da realidade e o resultado foi um fiasco. Ficção e realidade: estavam tão imbricados, que não foi possível separá-las. Diante dessa dificuldade, peço encarecidamente ao leitor que ao ler esse texto, tente separar o trigo do joio. Muito cuidado com as estrelinhas dessa história.
A história que conto foi contada por Benedito Viviani. Na década de 60, em plena Guerra Fria, divide-se Berlim com o muro da vergonha. O astronauta Iuri Gagárin revela ao mundo que a Terra é azul. De um lado o capitalismo, defendido com unhas e dentes pelos Estados Unidos, do outro o comunismo, apoiado pela União Soviética, disputam acirradamente o domínio territorial e espacial do mundo. Uma década depois de Iuri Gagárin ir ao espaço, os americanos chegaram à lua. O que ninguém imaginava nessa época é que, em Cotia, estava sendo elaborado um projeto confidencial para mandar um astronauta a Lua, Marte, e Saturno. Relata o Sr. Viviani, entusiasmado, que no ano de 1962 o foguete estava pronto para ser lançado.
Foto 1
Uma visão geral do foguete e, ao fundo, o cemitério de Cotia; do lado esquerdo da foto, estão o Yano e Viviani dando explicações aos curiosos para obter informações sobre o foguete Sputinik.
Para que o foguete ficasse realmente pronto foram necessários 10 anos de trabalho árduo. Os mentores da façanha de lançar o foguete em Cotia tinham mais de trinta inventos, inclusive o conserto de lâmpada. Harayuky Yano, Osvaldo Manuel de Oliveira (Osvaldão) e Calil Nicolau, foram os cientistas que lideraram a construção da espaçonave orçada no valor de 5 mil cruzeiros, dinheiro da época. Vale ressaltar que o projeto foi financiado pelo Depósito de Materiais de Construções Bandeirantes. Durante trinta dias o foguete ficou exposto na praça Joaquim Nunes. O foguete atraiu a atenção de moradores da cidade e viajantes que passavam pela Rodovia Raposo Tavares com destino ao sul do país. Todos os visitantes estavam muito ansiosos, segundo um idealizador do projeto. O Sr. Viviani, integrante da equipe Sputinik, relata que a segurança da praça teve de ser redobrada, e os guardas se revezavam nas 24 horas do dia. Dizem que, no período em que o foguete ficou exposto na praça, alguns espiões de origem russa e americana estiveram em Cotia com o objetivo de roubar o projeto Sputinik, que estava muito bem guardado na casa de outro integrante da equipe, o Sr. Aurélio, da farmácia.
Foto 2
As pessoas que estão na foto vieram da Finlândia para conhecerem o projeto Sputinik. Ao fundo da foto localiza-se o terreno onde eram guardadas as máquinas da Prefeitura. Nesse lugar, hoje fica a Padaria Estrela.
1962 foi escolhido como ano de lançamento do foguete Sputinik. Nesse dia, mais de 500 pessoas lotaram a praça Joaquim Nunes. O prefeito Emílio Guerra, preocupado com a multidão que ocupava a praça, providenciou que a guarnição do Corpo de Bombeiros, da Guarda Municipal e mais ou menos 50 homens da Polícia Militar e da Civil ficassem de plantão para garantir o sucesso do lançamento do foguete. Armindo Miguel, conhecido como Lacerda, e escolhido como piloto, era o único da equipe com experiência em aviação, pois tinha trabalhado no aeroporto de São Paulo e pilotado avião de verdade. Após a escolha do astronauta, iniciaram os treinamentos de capacitação.
Foto 3
A equipe de cientistas faz os primeiros ensaios para testar a potência do foguete na bateria de um carro. No local onde estava o foguete, hoje fica o Rei da Esfiha e a farmácia do Sr. Aurélio.
No dia do lançamento, o Sol brilhava em Cotia. O único erro da equipe foi escolher um estranho para acionar o dispositivo do foguete: o detetive Dimitri Borja Kozarec... Começa a contagem regressiva e, ao final, houve-se um estrondo que forma uma nuvem de 218 metros quadrados. Grande expectativa, logo em seguida muita tristeza: o lançamento fracassou, frustrando a multidão. Segundo Viviani, “o detetive Dimitre era um espião e provavelmente sabotou o projeto”. O detetive foi levado à delegacia da cidade e interrogado com veemência pelo delegado, mas nada revelou; dias depois, desapareceu da cela, misteriosamente.
Após a tentativa frustrada de decolagem do foguete, a multidão ainda permanece na praça lamentando o ocorrido.
O fato não desanimou a equipe que, reunida em um lugar secreto, estava pensando em um outro projeto que ia dar o que falar: o conserto de lâmpadas.
Joãozinho Carpinteiro, construtor do foguete, José Jacaré e Pedrão do Último Gole, eufóricos, apresentam suas idéias para o novo projeto. Acredite se quiser.
Cotonifício Demétrio Calfat S/A
Foi a primeira fábrica instalada em Cotia, mas várias pessoas, quando questionadas sobre a industria de fios de tecido Calfat, recordam que a empresa faliu e que muitos trabalhadores não foram indenizados. Apesar deste final lamentável, muitos operários comentam, ainda hoje, que suas vidas melhoraram com a implantação da fábrica no bairro do Atalaia, em 1953.
Foto 1
Do lado direito da foto, a construção do novo escritório da empresa e ao fundo a casa de força. A fábrica ficava do lado esquerdo do escritório. Do lado da casa de força pode-se observar um Mercedes 59 e na frente da construção dois DKVs, carros da época.
Foto 2
Anterior do laboratório e alguns funcionários. A pessoa de costas na foto é Nicolau Calfat.
Antônio Benedito Rodrigues de Oliveira, o conhecido Toninho, que durante 18 anos foi funcionário administrativo da Calfat, recorda, com muita saudade, aquela época e diz que se pudesse voltar no tempo, trabalharia na empresa novamente. Conta o Sr. Toninho que a fábrica e suas dependências localizavam-se onde hoje estão o Posto de Saúde, do Atalaia, e a escola Osny Fleury. A entrada para a fábrica ficava onde atualmente está o posto de gasolina (do Atalaia) e fazia divisa com o campo de futebol. Do lado da fábrica passava a Estrada São Paulo – Paraná, depois rebatizada de Raposo Tavares.
Foto 3
Capela construída pela Família Calfat – devota de Nossa Senhora Aparecida – onde hoje fica o portão de entrada do Posto de Saúde, do Atalaia, próximo ao portão.
Agustinho Mendes, hoje taxista e conhecido pelo apelido de “Especial”, começou a trabalhar na empresa com 14 anos e lembra que naquela época recebia meio salário mínimo, por ser menor de idade. Assim determinava a lei. Mendes lembra que trocou a lavoura pela fábrica e sua vida melhorou muito. Aos domingos fazia hora extra e os funcionários que apareciam para trabalhar recebiam lanches. Benedita Ramos de Oliveira trabalhou apenas quatro meses na fábrica e diz que logo que começaram as dificuldades financeiras da empresa, ela saiu com medo de não receber. “Dona Benedita do Bar” como é conhecida, trabalhou na seção de fiação e ainda guarda na memória quando pegou fogo na fábrica.
Foto 4
Casa de força. Os três geradores de energia também funcionavam com motores a óleo diesel, para os dias em que faltasse energia elétrica.
Uma personagem folclórica dessa época é Benedita Antonia da Silva Coelho, conhecida até hoje como dona “Ditinha Benzedeira”. Ditinha não trabalhou diretamente na fábrica, mas servia comida a alguns funcionários. Ela conta que atendia os funcionários das três turmas da fábrica. Os moços que ia comer eram solteiros e vinham de Minas Gerais. Ditinha conta ainda que teve uma premonição de que alguma coisa ia acontecer a um deles. Dias depois um rapaz foi consertar o telhado da fábrica, caiu e morreu.
Foto 5
Interior da fábrica. Seção de enrolamento.
Joel Francisco, conhecido como “Paulistinha”, também trabalhou na Calfat e lembra que no dia 11 de Outubro de1978 foi decretada a falência do Cotonifício Demétrio Calfat S/A – Codeca. Ele diz que a empresa admitia muitos menores, ele inclusive, que começou a trabalhar em 23 de janeiro de 1958, com um salário de Crz 6,66 (cruzeiros) por hora. Com muito orgulho, ele mostra sua carteira profissional da época, quando tinha 15 anos, e outra, quando já maior de idade. Artur Italiano, que era mestre-geral da empresa, conta que a Família Calfat chegou ao Brasil em 1920 e abriu a sua primeira empresa na rua Brigadeiro Luiz Antônio, em São Paulo. Com o passar do tempo, foram proibidas industrias dentro da cidade e a família precisou transferir suas instalações para outros locais. A industria de fiação foi transferida para Cotia, onde funcionou por 25 anos. Paulistano guarda em sua memória o nome de cada um dos proprietários da Calfat: Alfredo, Inácio, Eduardo, João e Nicolau.
Foto 6
O caminhão da foto está carregado com fios de algodão para ser levado ao seu destino. O motorista é Arnaldo Gabriel e seu ajudante, Jacó.
Todas as pessoas são entrevistadas ressaltam a importância da empresa para o progresso da cidade e o carinho dos Calfat para com seus funcionários.
Cinema do Jubran
Foto 1
Dona Linda, com seu filho Miguel no colo, de 3 anos de idade. Sr. Jubran, com a filha Macia, de 5 meses de idade. Foto foi tirada no dia 12/10/1957.
Linda Riscalla Name emociona-se ao recordar como tudo começou: uma sala de cinema simples e de paredes de taipa de pilão, localizada a rua Senador Feijó, nº 54, inaugurado no dia 1º de janeiro de 1954. Quando ela fala sobre Jubran Name, seu esposo, recorda as dificuldades da época, mas ressalta sua ousadia em abrir um Cinema em Cotia. Até hoje muitos moradores da cidade relacionam o cinema ao nome do Sr. Jubran, mas o verdadeiro nome da sala era Nossa Senhora Aparecida.
Pela conversa que tive com dona Linda, pude perceber o quanto Jubran era apaixonado pela grande tela... quando criança, brincava de fazer cinema no quintal de sua casa. Certa ocasião, Linda encontrou pelas ruas de Cotia o Tadeu Pedroso que, entusiasmado, lembra-se do cinema do Jubran ao assistir ao filme Cinema Paradiso. Sem dúvida alguma, Jubran realizou o seu sonho de ter um cinema e o dos seus telespectadores de viajarem pelo mundo através das películas.
A primeira sala tinha 168 lugares. E ao ouvir dona Linda contar como foi se construindo esse sonho é até engraçado. As paredes, que eram de taipa, com o tempo começaram a ficar esburacadas e iam sendo construídas com tijolos, aos poucos. Quase vinte anos depois, no fundo da antiga sala, se ergueu uma outra sala de cinema, sofisticada para época. Nessa sala de cinema, que faz fundo com a rua Guido Fecchio, funciona hoje a Igreja Renascer.
Uma outra certeza que devemos ter em relação a esse Cinema é que ali nasceram vários namoros. Entre os filmes de grande bilheteria estava Dio come ti amo. As filas para assistir aos filmes iam além da igreja. Outra bilheteria garantida eram os filmes do Mazzaropi. Outro gênero de sucesso eram os faroestes, como Dólar Furado, por exemplo. Além de cinema, o espaço era usado para festivais musicais, e no final do ano para formaturas, principalmente do Grupo Batista Cepelos.
O cinema funcionava de quinta a terça-feira, a partir das 20h30, e aos domingos tinha matinê, a partir das 14 horas. A quarta-feira era dia de descanso. Lembra dona Linda que na quarta-feira, ela e Jubran iam para São Paulo assistir a filmes e que quase sempre assistiam a mais de quatro fitas no dia. Este fato confirma que os dois eram verdadeiros cinéfilos. Nessa fábrica de vender sonhos que foi o Cinema do Sr. Jubran, havia dias do ano que eram especiais, de bilheteria farta, e também aqueles de bilheteria fraca. O cinema enchia na festa de Véspera de Natal e Ano Novo – “nesse período sempre trazíamos um bom filme”, diz Linda. Quando chegava um circo ou tinha festa na cidade era com certeza sala vazia. Outra semana gloriosa para o cinema Nossa Senhora da Aparecida era a Sexta-Feira Santa. Nesse dia passavam quase 10 sessões da Paixão de Cristo.
Linda Riscala Name, além de trabalhar na bilheteria do cinema à noite, exercia a função de professora. Durante 27 anos foi professora e coordenadora do Grupo Batista Cepelos e, às vezes, usava uma didática sedutora: o aluno que se comportava bem ganhava um ingresso. Esse critério, às vezes, era quebrado: não somente o bom aluno ganhava o ingresso, como também a classe e até mesmo a escola toda.
Há registros de que anteriormente ao Cinema do Jubran assistia-se a filmes atrás da igreja, no salão de recreação do Morro Grande e na Granja Viana, na frente da casa da Vovó Catarina. Na Granja Viana, em especial, as máquinas usadas para projetar os filmes eram do Jubran, lembra Linda.
O Cruzeiro do Carmelo
Sem duvida a Igreja Católica cumpriu seu papel de catequizar, desde o início da colonização. Em Cotia isso não poderia ser diferente. O que se observa nas fotos é a mesma determinação de séculos atrás em levar a fé cristã aos moradores da cidade.
O trecho abaixo é a transcrição do diário do Carmelo de Cotia, que relata o dia em que o cruzeiro foi levado da Praça da Matriz para lá (28 de setembro de 1969).
“Abriu-se a clausura para o chacareiro. Às 15 horas, mais ou menos, foi chegando a procissão com centenas de pessoas. Muitos homens, a começar pelo Sr. Vice-Prefeito, Dr. Valdemar, e o Rev. Vigário Pe. Enda; carregaram o cruzeiro, que tem treze metros de altura, e nos braços, estão gravadas as palavras: Salva tua alma. Falava no alto-falante o Rev. Pe. Albertine: agradeceu a D. Ana Macieira o ter dado o cruzeiro e agradeceu ao Carmelo por ter cedido para o colocar; falou muito bem da vida contemplativa. Ao colocar o cruzeiro no buraco com auxilio do guindaste, houve fogos, palmas e os sinos repicaram. O povo irá cooperar para fazer um pedestal e torná-lo luminoso. Será a recordação da Missa pregada pelos Pes. Redentoristas. Logo em seguida os Rev. Pes. levaram a imagem de N. Sra. Aparecida no locutório para nos abençoar. Conversaram conosco um pouco e depois se despediram”.
Foto 1
Praça da Matriz
Foto 2
O cruzeiro saindo da Praça da Matriz, em direção ao Carmelo.
Foto 3
A multidão leva o cruzeiro em seus braços.
Foto 4
Rua Senador Feijó, próximo ao Carmelo. Ao fundo o prédio “treme-treme”.
Foto 5
O cruzeiro na frente do Carmelo.
Agradecemos à Irmã Terezinha pelo empréstimo do diário.
O Lendário Nhô Nhô
Deodomiro de Castro Pedroso, conhecido pelo apelido de Nhô Nhô, nasceu em 1894, durante sua existência nesse mundo, fez de tudo um pouco. Foi doceiro, coveiro, compositor, músico, curandeiro, balconista de bar, apontador de jogo de bicho e juiz de paz, profissão que exerceu por 32 anos. A sua filha, Maria Aparecida do Rosário Magalhães, herdou a profissão do pai e fica emocionada quando, ainda hoje, recebe documentos assinados por ele.
Foto 1
Nhô Nhô no cartório de Cotia, no início da década de 80.
Dizem os moradores antigos de Cotia que existia uma brincadeira que faziam com Nhô Nhô e que reforça sua imagem de pessoa lendária. Qualquer objeto que quebrasse poderia ser levado na casa do Nhô Nhô, que ele consertaria. Este fato tornou-se motivo de gozação: quando alguém quebrava algum objeto, ou ficasse doente, sempre tinha alguém que dizia, com o sorriso aberto, manda para o Nhô Nhô que ele dá um jeito. A ele foram atribuídas várias habilidades: além de casamenteiro, Nhô Nhô também consertava dentadura, lâmpada queimada e, de lambuja, aplicava injeção.
Foto 2
Deodomiro e sua esposa, Joaquina Benedita de Castro na cozinha de sua casa.
A Deodomiro também foram atribuídos poderes sobrenaturais. Um certo dia, em frente à Igreja Matriz de Cotia, quebrou um caminhão fordinho, que passou ali o dia todo. No final da tarde, Nhô Nhô vinha subindo a rua Senador Feijó em passos lentos e passou pelo grupo de pessoas que tentava consertar o caminhão, sem muito sucesso. Alguém que estava ali labutando para fazer o fordinho funcionar, gritou para Nhô Nhô, que já estava um pouco distante do caminhão: “Nhô Nhô, o que o senhor acha que tem esse caminhão?”. Meio de lado e ainda caminhado ele respondeu: “Coloque água no carburador”. Passivamente, o suposto mecânico seguiu o conselho: o caminhão funcionou e pôde seguir viagem. Bravo!
Foto 3
Da esquerda para direita Maria Aparecida do Rosário Magalhães, Deodomiro de Castro Pedroso, Joaquina Benedita de Castro e Benedita do Castro Pedroso. Ao fundo a casa que eles moravam, na rua Joaquim Barreto, antigo nº 30. A frente da casa foi construída de taipa de pilão e o fundo de pau-a-pique.
Dona Maria recorda que, às vezes, acompanhava seu pai até o auditório da Rádio Difusora para assistir ao programa “Hora da Saudade”, comandado pelo famoso locutor da época Dr. Dárcio Ferreira. Nesse programa, Nhô Nhô conheceu o músico Fego Camargo, pai da apresentadora de televisão Hebe Camargo. Às vezes, Nhô Nhô recebia o amigo em casa para comporem valsinhas e conversarem sobre música; muitas vezes, Fego ia visitá-los para buscar uma bebida de gosto doce com o nome de pau-a-pique. Receita:
Pinga
Açúcar
Canela
Gengibre
Rodas de Limão
Pó de Cravo
Anilina (a cor que você desejar)
Aparecida do Rosário Magalhães encontrou numa caixa de sapato, várias partituras de valsinhas e letras que confirmam a musicalidade de seu pai. Nhô Nhô fez 52 valsinhas. Abaixo um pedaço da partitura da valsa Uma Noite em Cotia. Além das partituras, encontramos uma folha de papel com trechos de duas valsinhas. Nenhuma tem título, mas vale a pena conhecê-las.
(valsinha 1)
Já fui alegre e contente
Hoje eu não sou ninguém
Já consolei muitos tristes
Hoje sou triste também
Que viver triste no mundo
Venha juntar-se comigo
Venha passar como eu passo
Venha viver como eu vivo
Dos meus olhos correm lágrimas
Os passarinhos reclamam
Por não poder se ajuntar
Dois corações que se amam
(valsinha 2)
Parece que é cedo e muito cedo
A minha, em breve findarei
Eu só peço que não vertas uma lágrima
Todo aquela que amizade eu dediquei
Nem tu mesmo oh mulher que eu prometi
De adorar-te como os anjos adoram a Deus
Mesmo assim deixo a todas um abraço
Toda aquela que amizade eu dediquei
Bibliografia
Os textos produzidos por Daniel Balzan, e as conversas que tivemos sobre Cotia, foram de grande valia para definir que período deveria ser estudado. São textos que considero um marco no estudo da história de Cotia no século XVIII.
O médico Paulo Bafile, e outros colegas, iniciou uma pesquisa em meados dos anos 80 com o objetivo de conhecer o lugar onde iriam trabalhar. Este material é um ponto referencial para quem deseja conhecer a história de Cotia. A pesquisa não foi publicada em livro. Em 1995, Paulo Bafile lança o livro intitulado: Roteiro Poético Absolutamente Pessoal e Sem Mapa Para Cidade de Cotia. O autor mostra as contradições da cidade através da poesia. Raquel Zai Caner, Sônia Toledano, Rita de Cássia Soria, são co-autoras de No Caminho da Cidade.
O livro A (Re)Produção do Espaço Urbano fixa-se no estudo sobre Cotia no processo de crescimento acelerado na década de 80. O livro apresenta o despotismo dos administradores de cidade e as condições na ocupação do espaço.
José Saia Neto organizou um material sobre as Casas Rurais Coloniais. Neste livro temos algumas informações sobre o Sítio do Padre Ignácio.
O Álbum do Centenário de Cotia é um material que trás informações gerais sobre Cotia e é um documento que foi publicado pela Prefeitura de Cotia, em 1956.
Do ponto de vista teórico dois textos do livro História da Vida Privada no Brasil foram importantes na reflexão de que caminho deveria tomar nessa pesquisa tendo a memória como referencial.
BALZAN, Daniel Pe. “Os Protetores da Freguesia de Cotia”, in Jornal Popular. Cotia: 13/02/99, ed. 159, p. 7.
_. “Os Sepultamentos na Freguesia de Cotia”, in Jornal Popular. Cotia: 06/02/99, ed. 158, p. 7.
BAFILE, Paulo Nogueira. Acoty Tour: Roteiro Poético Absolutamente Pessoal e Sem Mapa de Cotia. Cotia: João Scortecci Editora, 1995.
_. et alii. No Caminho da Cidade. Cotia: 1986. Texto não publicado.
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade – lembranças de velhos. São Paulo: Cia das Letras, 1994.
CARLOS, Ana Fani Alessandri. A (Re) Produção do Espaço Urbano. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994.
NETO, José Saia. Sítio Padre Ignácio – Roteiro de Visita. São Paulo: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1986.
NOVAIS, Fernando A. - “Condições de privacidade na Colônia”. in História da Vida..., Laura de Mello e Souza (org.). São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
SOUZA, Laura de Mello (org.) - História da Vida Privada no Brasil: Cotidiano e Vida Privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.(Coleção dirigida por Fernando A. Novais).
_. “Formas provisórias...”. in História da Vida... São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
ZINGG, Paulo - Álbum do Centenário de Cotia – 1856-1956. Cotia: 1956.
Marcos Roberto Bueno Martinez
Por Ele Mesmo
Nasci em Votuporanga, estado de São Paulo. Em 1975 vim para São Paulo. Três anos depois, para Cotia. De 1985 a 1989, cursei a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Moema, graduando-me em História. Desde o início da faculdade fui professor de história em várias escolas estaduais. Gostaria de citar duas: EEPG Vinícius de Morais e EEPG Pedro Casemiro Leite – ambas em Cotia. Eram escolas inovadoras. A Vinícius de Moraes desenvolvia o método construtivista desde o início da década de 1980. A Pedro Casemiro Leite implantou o sistema modular. Antes mesmo de cursar a faculdade, já me interessava por pesquisa. Chamava minha atenção, nessa época, o desaparecimento de antigas construções devido ao crescimento acelerado e desorganizado da cidade. Esta percepção decore da minha participação no movimento estudantil, tendo sido o primeiro presidente da UESTI – União Estudantil Independente, em função de ter sido presidente de um dos primeiros grêmios livres de Cotia. De 1992 a 1994, coordenei o curso noturno de uma escola estadual de Cotia. Participei da coordenação da Campanha Contra a Fome, do Betinho. Desde de 1995, trabalho com rádio comunitária, primeiramente na Rádio ECO, com o programa “Fora de Ordem”, entrevistando pessoas da cidade. Participei da fundação da Associação Cultura Civil Aquarius, mantenedora da Rádio Aquarius – a primeira rádio comunitária do País a receber uma liminar para funcionamento. Desde 1990 venho escrevendo, com regularidade, para periódicos como Jornal da Cidade, Bazuca, Cotidiano, Folha de Cotia, Jornal Popular (coluna Memória). Organizei o Projeto Conhecendo Cotia, através do qual alunos percorriam sítios históricos da cidade. Dessa vivência, em especial, de todos aqueles que colaboraram para que pudesse publicar os artigos resgatando fragmentos da história da cidade e seus personagens, veio este livro.
Hoje, acompanho, enquanto Secretário de Educação e Cultura, o Prefeito Quinzinho Pedroso na modernização de Cotia, já no segundo mandato.
Maria Isabel:
ResponderExcluirGostei muito desse trabalho que voce fez, tenho o livro também, e importante meu pai junto com time de futebol. E também o casarão que foi o bar do Tio de meu pai, mas que todos na familia chamavam ele de vovô Vermelino pelo fato dele ter criado meu pai e seu irmão.E foi ele que deu o inicio na banda de Cotia, ele foi um grande musico e professor de musica. E também vi as fotos da Igreja Nossa Senhora da Penha, não entendo como tem politicos que deixam os patrimonios históricos serem destruidos dessa forma. Dna. Virgilia, Dna. Oscarlina, eram as que tratavam com muito carinho dessa igreja.
GOSTEI MUITO DESTE BLOG. O UNICO ERRO É QUE ESTOU NO RITMOS CONTINENTAL TOCANDO TRUMPETE E NAO CLARINETA(RSRS).PARABENS PELO TRABALHO
ResponderExcluirADOREI,MAS NA DÉCADA DE SESSENTA,MEU TIO TINHA UMA FÁBRICA DE ADUBO NA FAZENDA DO DR.ALCIDES LARA CAMPOS,COM O NOME DE "ADUBOS VITA CAMPOS",QUE TAMBÉM FEZ PARTE DA HISTÓRIA DE COTIA...
ResponderExcluirParabéns, adorei!!!
ResponderExcluire obrigada a homenagem a meus pais: Linda e Jubran Name
Marcia
e incrivel ver essas coisas tao ricas da pena de ver o que fizeram com nossa cotia e o progresso aqui chegou . nilsa pereira dos santos bjs professor .
ResponderExcluirLindo esse blog Marcos, vou ver aqui em casa se meu pai ainda tem algumas fotos que meu avô tirou.
ResponderExcluirMais otimo trabalho.
Antonio Lemos Leite Neto.
Meu avô trabalhou a vida toda na prefeitura e nunca teve seu esforço reconhecido!!!Uma pena, afinal minha família esta aqui ha 60 anos...
ResponderExcluirMas ficou uma bonita homenagem à cidade:)
Adorei, acho que na época que vivi ai em Cotia, eu não saia de casa por isso foi bom ver a história, pois apesar de estar ai em Cotia não fiz parte desta história, que pena ....
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